morro do Macaco

segunda-feira, maio 29, 2006

Turismo Desnecessário (19)

Resolvi andar em ordem alfabética pelas ruas velhas do Rio de Janeiro para ver a dor passar – Alto da Boa Vista, Andaraí, bairro do Peixoto, cais Pharoux, Campo das Lavadeiras, Capela do Paço, Catete, Catumbi, Cemitério dos Ingleses, Corcovado, Engenho Novo, Engenho Velho, Gamboa, Glória, Ilha Fiscal, Jardim Botânico, ladeira da Misericórdia, ladeira do Leme, lagoa Rodrigo de Freitas, Laranjeiras, largo da Carioca, largo do Machado, largo do Paço, morro do Castelo, morro do São Bento, Novo Engenho, Outeiro da Glória, Paço Imperial, Paineiras, palácio de São Cornélio, Passeio Público, praça Real da Sé Nova, praia de Botafogo, praia de Copacabana, praia do Flamengo, Rossio, rua da Quitanda, rua de Matacavalos, rua Direita, rua do Carmo, rua do Hospício, rua do Ouvidor, rua do Passeio, rua dos Andradas, rua dos Ourives, rua Uruguaiana, Saco do Alferes, Santa Teresa, Theatro de São João, Tijuca, rua Cosme Velho, 18.

Muita coisa passou, mas você não passou. A noite estava clara e quente, nem um pouco fria, nem um pouco escura. Contei todos os transeuntes. Escrutei olhos atrás de óculos. Cabeças escondidas sob chapéu. Andei, andei, andei. Estou cansado. Não tenho onde dormir esta noite.



Encontrei Dr. Quincas Borba no Passeio Público, me pareceu mais magro, mais preto, uma figura fantasmagórica. Furtou-me o relógio.

domingo, maio 28, 2006

dr. odorico mendes macaqueia sobre o morro

o sol escorre os seus másculos dedos
no barraco
no morro
na cidade
na água
na guanabara
na tua cara coberta de sono














domingo, maio 21, 2006

Ventos & Trovoadas (17)

Enquanto eu passeava com o bonde rolê pelas avenidas do Leblon, fotografando nossas belezas naturais, uma ventania sacudiu o meu barraco no alto do morro do Macaco, levando tudo. Carregou a televisão, o fogão, a vitrola, o violão, a cuíca, os retratos da família, meus poemas, a bola de capotão, a chuteira, o telefone, a geladeira, a cama de casal, a camiseira, a cristaleira, a sapateira, a torradeira, os paletós & gravatas, meu despertador. Levou meu João Gilberto, minha Maria Bethânia, minha negra melodia, meu cachorro Paraíba, meu pisante colorido e a minha rolleyflex. Cadê minha escova de dente? Cadê meu sabonete Phebo? Cadê meu desodorante Rexona? Cadê minha aspirina? Onde foi parar minha brilhantina? E onde está minha água de cheiro francesa? A ventania passou sacudindo o barraco, soprando todos cabelos, as cortinas, as janelas, as portas, os espelhos, as pequenas lembranças, os odores, a poeira acumulada debaixo dos tepetes, os equívocos, os medos, as palavras, as raivas, as dores, as cores, meu pão. Fiquei sozinho – acho que não ficou nenhum resíduo de nada.

Quem assoprou esse vento? Terá sido Vadico Kalashnikov? Terá sido coisa da polícia? Ou é apenas uma peça da patota do botequim? Ou então será que seu Hilário resolveu executar toda uma existência de fiados e penduras? Melhor imputar mais esta pequena tragédia ao meu destino de sambista mal amado? Jards Macalé? Terá sido coisa do chefe? Se não, por quê será que ele permitiu? Será que foi engano? Ou terá sido um rabo de foguete descontrolado?

O pessoal do Bonde do Rolê se aventura pelas avenidas do Leblon.

domingo, maio 14, 2006

Recado Urgente (16)

Seu Vadico enviou o seguinte recado através do Preto Jack, principal soldado da boca do morro da Ladeira Invertida, lugar-tenente em todas as maldades e crueldades, também conhecido como Jackson do Tiroteio:

– A mulata é tua! Historicamente a descarada sempre foi tua! Ela sempre desfilou ao seu lado, na avenida, no morro, no partido alto, na macumba, na praia, no shopping. Então ela continua sendo tua! Mesmo tendo passado uma temporada aqui! A responsabilidade é toda tua! Portanto, seu nome devia estar no SPC no lugar do meu! Então, seu Djalma do Santos, se prepare pra pagar o boleto! Se o senhor se atrever a não pagar, primeiro eu vou mandar arrancar suas unhas com alicate, depois vou mandar arrancar os dedos, toda a dentadura. Lentamente vamos percorrer as orelhas, o nariz, os olhos, os pés, as pernas, os braços, a língua, o pinto, o umbigo, os mamilos. Todos os milímetros do seu corpo preto e fedido vão ser rigorosamente perscrutados e trabalhados pela nossa ourivesaria. Vai ficar bem style, eu pessoalmente garanto! Mas antes, vamos visitar sua família, sua escola de samba, seus amigos de boteco, seu pai, sua mãe, o morro do Macaco. O senhor não vai querer saber qual é o gosto de macaco frito, ou vai? Então, seu Djalma do Santos, pague o boleto! Não vamos deixar acumular juros.

Papagaios bancários voam livremente no morro do Macaco


domingo, maio 07, 2006

Romance Oficioso (15)

Ofício no. 4582/2006

Rio de Janeiro, 6 de maio de 2006.

A sua Excelência
Sr. Djalma dos Santos,
Presidente da Escola de Samba Macacada Unida Jamais Será Vencida
DJ Residente do Makako’s Funk Klube


Assunto: O Pandeiro da Mulata.

Excelentíssimo Senhor Presidente,


Gostaria de informá-lo através deste ofício que expulsei a sua mulata do meu bangalow. Ela que não me apareça mais aqui. Ou faço uma loucura, e faço picadinho dela, e mando o couro dela para a fábrica de tamborim. Corto dedo por dedo - dos pés e das mãos -, arranco orelhas, nariz e olhos – não deixo nem sobrancelhas.

A descarada deixou meu apartamento de pernas pro ar, gastou uma fortuna com roupas, jóias, salão de beleza, maquiagem, tintura de cabelo e massagem - me deixou completamente no vermelho. Armou barraco com a vizinhança, desacatou o padre, aplicou calote no mercadinho, não pagou a conta de luz – imagine que escrevo estas mal ajambradas letras no escuro! Domingo passado, apareceu no campinho do Ladeira Futebol Clube e, depois de dez minutos de jogo, a maluca começou a gritar palavrão, dar ordem pro time, xingou o juiz e os bandeirinhas, quis mandar na escalação do escrete, invadiu o campo e tomamos uma goleada histórica jogando contra o segundinho do Ipanema Sport Glubeeee! Na escola de samba botou banca na bateria, na comissão de frente, na ala das baianas, na alegoria e palpitou no rebolado da porta-estandarte – quis mudar o enredo do samba, mas na poesia eu não aceito crítica nem dedo de ninguém!

Seu Djalma, de presidente pra presidente, só um santo como o senhor para agüentar rabo de foguete desses! O pandeiro pode ser grande, mas a dor de cabeça é enorme. Ela que não me apareça aqui!

Respeitosamente um abraço do amigo, sambista e admirador,

Vadico Kalashnikov



Presidente
Kalashnikov visivelmente alquebrado.

terça-feira, maio 02, 2006

Matsuo Basho desafia Vadico Kalashnikov

À cotovia,
Que canta sem cessar,
O dia inteiro não basta

Matsuo Basho

À metralhadora,
Que pipoca sem cessar
A noite inteira não basta

Vadico Kalashnikov


Seu Miguel emocionado declama o poema de Vadico

Romance Epistolar (14)

Querido Djalminha,

Estou no morro da Ladeira Invertida. Não se preocupe comigoestou muito bem, obrigada! A vista aqui é esplendorosa, vejo o mar azul, vejo o céu azul, vejo tudo azul no sul da América do Sul, o morro do Corcovado, outros morros que eu não sei o nome e até o nosso adorado e saudoso morro do Macaco! Vejo o sol, a lua, as estrelas e o sorriso canino do meu neguinho da Ladeira: como já sabes, estou morando no bangalow do Vavá.

Espero que todos aí estejam bem – eu estou ótima, obrigada! Alisei e pintei o cabelo (estou lourinha!), botei aplique, fiz uma tatuagem na nuca (“amor” em chinês), botei um piercing no narizestou divina!

Ontem fui na lojinha da Miss Paulinha Pin Up Tieko estourei o Credicard do Vavá: comprei calça Seven, camisetinha Paul Frank, sandalinha de acrilírico Fernando Pires e uma coleção de calcinhas Victoria Secret. Reformei meu guarda-roupas. Vou reformar também o bangalow, pois ele está meio detonadinho. Preciso receber minhas amigas.

Ah!!! Tanta coisa por fazer ainda, tanta coisa pra botar em ordem... Bem, estou saindo pra ver o foguetório que o Vavá está fazendo lá na crista do morro... O bagulho tá doido! Depois escrevo mais, tá!

Beijokas na makakada toda!

Memê

P.S.: Saudades da nossa rede.


Seu Hermes, graduado funcionário dos Correios e Telégrafos, inconformado protesta veementemente.