morro do Macaco

domingo, junho 18, 2006

Gafieira do Além (22)

Escuridão, frio e silêncio. Mas à medida que íamos descendo a escada em caracol, a luz ia aumentando degrau a degrau, o ambiente lentamente ia se tornando mais aconchegante e os sons mais musicais – piano, maracas, bongôs, violão, cavaquinho, sapateado, castanholas, reco-reco, burburinho de gente, risos, gargalhadas, canto distante. E de repente, tudo se iluminou, se abriu, se revelou – e estávamos eu e Foguete no meio de um salão de baile cheio de gente. Gente elegante e perfumada vazando pelo ladrão, todos alegres, todos falando, todos rindo, todos bebendo, todos sambando, rumbiando. Um enorme letreiro néon à nossa frente anunciava:

Clube Recreativo Gafieira Seu Além do Alah

(Já dizia o nego Nepomuceno, meu falecido sábio pai, que nesta cidade, mais cedo ou mais tarde, missa ou culto evangélico, pretos ou brancos, casados ou solteiros, másculos ou efeminados, sempre tudo acaba freneticamente no chão da pista do salão da gafieira.)

Seu Além dos Santos, a primeira grandeza do samba do Jardim de Alah, primo de todos os macacos do Rio de Janeiro e rei de todas as gafieiras do Brasil e do mundo, com seu sorriso de obturações douradas, coração de ouro, braços abertos, terno branco, gravata florida e acordes dissonantes nos recebeu parando o salão:

–– Djalminha, que milagre é esse?! Que maravilhoso milagre é esse! Djalma dos Santos, meu parente, me diga? Me diga? Mas me dê cá antes um abraço! Esse coração ainda bate um compasso de samba? Estás vivo, meu irmãozinho? Me diga?

–– Muito vivinho da silva, meu primo!

–– Mercedes, venha aqui, mulher! – gritou seu Além. – Teu preto chegou!



Gente fina é outra coisa! Eita sovaco cheiroso!