poema-piada: motel Português (1)
motel Nossa Senhora de Fátima
Djalmão: Eu quero então é beijaaaaaaaar!
tomando uma xícara de café expresso, num bar de esquina, num breve instante, num milimétrico segundo, ele pensou no Amor, um diamante infinitesimal microscópico, pedra ancestral, estrela fulminante, objeto distante e agudo, flecha, sangue, pequenez - a dor perdida no meio da lama do infinito dos extremos dos confins do jardim Gramacho
Seu Mané Periquito me pediu permissão para tirar umas fotografias da mulata Mercedez pelada – pois está preparando um calendário pro Gino Fairestone. Disse que não trabalha mais no lambe-lambe da praça e agora se está dedicando à verdadeira arte. Falei pro seu Mané Periquito deixar de ser abusado. Falei pro seu Mané Periquito pentear macaco com escova helú. Falei pro seu Mané Periquito enxugar gelo na beira da praia de Copacabana. Falei pro seu Mané Periquito ir tirar foto da periquita da dona Maria Periquita. Falei pro seu Mané Periquito que tomar vergonha na cara é melhor que tomar uns bons sopapos.
Seu Mané Periquito & o xis do problema!
Às vezes, lá em cima, do alto do morro, posso ver bem ao longe uma enorme lagoa vermelha, ao sul. Ela é iluminada e abrasada por um imenso sol vermelho. Uma lagoa vermelha onde sereias nadam. Às vezes elas me sorriem e me acenam com suas mãos impressionamente pequenas, dedos minúsculos e unhas vermelhas. As mãos parecem flores. As mãos mais pequenas que as gota da chuva.
Qualquer dia faço um samba-canção pra lagoa vermelha!
fazem de mim papel reclame
sem pensar no vexame que me possa ferir
(dona clementina de jesus)
Hoje em dia existem muitas coisas para se fazer. Não se fica mais parado. Muitas atividades, muitos jogos, muita diversão, muita gente, muita ocupação, muitas coisas para se ver e se fazer. Em casa, na rua, no campo, na praia, no shopping, na TV, no Maracanã, na janela, na Lapa, em Ipanema, em Copacabana – Copacabana é um mundo – e o Rio de Janeiro é quase um universo infinito. E ainda, no Santos Dumont, se pode tomar um avião para São Paulo – quantas coisas para se fazer em São Paulo!
Mas eu não saio daqui. Prefiro ficar sentado aqui fazendo nada – quieto – nada o dia inteiro – nada a noite inteira – nada – sempre parado – sem piscar – sem respirar – muito quieto – sem pensar – nada – quase nada. Evitando as coisas, evitando as coisas que se movem – água, Aloysio de Oliveira, areia, Avenida Atlântica, avião, balão, barco, barulho, bunda, cais Pharoux, cão, carros, cavalo, chapéu, chuva, chuva, coca-cola, gato, comida enlatada, dor de cabeça, dor de cabeça, dor de cabeça, dor de cotovelo, elevador, escada rolante (ai! que medo de escada rolante!), foguete, fumaça, furacão, gravata, gripe, guarda-chuva, Copacabana Palace, inseto, insetos, jardim de alah, jardim bothânico, luz, luminária, Macumba, Canjerê, Candomblé, motocicleta, néon, nuvem, onda, paletó, passageiro, pedestre, Petrópolis, piano, poeira, quadris, Rio-Santos, rojão, Rua do Ouvidor, ruídos, sapato, Santa Tereza, selvas, terremotos, tosse cumprida, turbilhão, um abraço no Bonfá, umidade, vento, viva a Penha, xixi, zona norte, zona sul, zabumbas, alfabeto e você –– especialmente, você.
Alfabeticamente –– você.
em busca do acorde perdido
tudo se azeitando no compasso do nosso samba infinito
Era uma vaca desgarrada. Se separou do rebanho e ficou vagando perdida na cidade. Ficou assim de lá pra cá até entrar numa boate chique na rua Maria Quitéria, em Ipanema. Sentou-se, deu um murro no balcão e mugiu. O garçom educadamente serviu uma dose de uísque bucanas, doze anos. A vaca bebeu, bebeu, bebeu, bebeu e mugiu muito satisfeita. O garçom solícito e educado serviu outra dose, e outra, e outra, e outra, e outra, e outra, e outra. A vaca bebeu. Sempre com mugidos de extrema satisfação.
Vinte uísques depois, a vaca já parecia meio grogue, o ambiente mais alegre, e o garçom serviu mais uma – a última! – dose. A vaca bebeu num trago só e mugiu. O bar estava cheio. Ninguém queria confusão. E o garçom serviu mais outra – a derradeira! – dose. A vaca bebeu e mugiu. O garçom se fez de besta e não se mexeu. A vaca mugiu, mugiu, mugiu. O garçom chamou o gerente. A vaca já impaciente mugiu. O gerente sorridente e simpático pediu calma. A vaca bastante irritada mugiu. O gerente discretamente chamou o segurança. O vaca chateada mugiu, esmurrou o balcão e levantou. O segurança pediu calma. O garçom pediu calma. A vaca balançou o corpo e mugiu. O segurança pediu calma novamente. A vaca ameaçou engrossar. Os seguranças ameaçaram engrossar. Os garçons pediram calma. A vaca mugiu. Os seguranças todos mugiram. A turma do deixa-disso pediu calma. A vaca mugiu de novo. Os seguranças mugiram. A turma do deixa-disso em uníssono mugiu. Quem é que vai encarar? Um policia aparecido não se sabe de onde mugiu ordem no recinto. Os seguranças, os garçons, a turma do deixa-disso, a turma da Viera Souto, a dona Aracy de Almeida, os policias, os curiosos todos mugiram. A vaca ajeitou o corpo, endireitou a cabeça e o pau comeu. A vaca saiu distribuindo chifradas três por quatro. A vaca distribuiu coices à torta e à direita...
Horas depois, no Canal do Mangue, a vaca foi vista vagando sem destino – trôpega e bêbeda. E com a voz embotada mugia a Florisbela.
Minha fome rói teu cérebro. Um enorme cupim começa devorando primeiro os olhos. Depois mergulha, através das retinas, nos vasos oculares, nas cavidades cranianas – calcinando os miolos. Apodrece-te vorazmente, preenchendo os desvãos das páginas, os poros, o corpo. Avança além escurecendo o céu, a tragar tempestades. Minha fome consome os livros, o fogo, o espírito, os vidros, as armas, as munições, os homens. Percorre e envolve tudo. Uma cobra que come o próprio rabo. Distorce violentamente o próprio corpo – doendo. Aquece, assa, tritura, mastiga, deglute, vomita – lambendo com lábios lascivos – e uiva. Um enorme verme cavalga na tarde, um centauro, um cavalo, um carro, um trem desgovernado. Ela respira ofegante e consulta incrédula o relógio de pulso.
Dor
eu finjo que não a vejo – mas minha barriga dói
Mi cocodrilo verde