Notícia dolorosa (13)
Seu Demerval Farmacêutico se preparando para aplicar mais uma injeção.
Quando passarmos lá no Leblon pra turma ver vou fazer assim: fon fon!
Soirée: definhando no paraíso.
Minha gengiva sangra. Minha língua está inchada, não cabe na boca, babo. Meu peito dói. Meu coração quase não bate. Meu pulmão chia feito uma sanfona furada. Minha barriga ronca. Minha mão direita está dormente. Minhas pernas mancam. Aftas, aftas, aftas! Pareço uma barata russa. Meu pai Jubiabá, minha tia Ciata, minha mãe Caninha escarnecem a minha dor: "somatizas a falta da mulata, meu filho", pilheriam prazerosos os três safardanas.
Fito a enseada - são oito horas da manhã. Não admiro aquele pedaço de água quieta - a praia de Botafogo. Em verdade, vos digo que penso em outra cousa. Meus cabelos estão caindo. Tenho uma erupção seborréica tomando conta do meu couro cabeludo, das minhas costeletas, do meu bigode. Apareceu uma pereba na minha orelha esquerda. Meus lábios estão cobertos por várias dermatoses inflamatórias. Meus olhos estão vermelhos, lacrimejo e enxergo com grande dificuldade. Nas minhas costas, meia dúzia de furúnculos enormes cobertos de pus. Entre os dedos dos pés, frieiras. As unhas das mãos caem uma a uma estraçalhadas por fungos e dermatites não identificadas. Meu nariz parece um caju - inchado e vermelho - cheio de espinhas. Observo as ruas, as ladeiras, os morros, as águas, a manhã. A coceira na orelha não passa. A dor de cabeça não passa. A dor nas costas não passa. Nada passa. A mulata não passa. A mulata não volta. Ai, ai, ai. Meus Deus, o que será de mim? O que será da macacada?
o dia rompeu, o galo cantou, a mulata não voltou. passei o dia no bar do velho Hilário. tomei oito rabos-de-galo, cinco cervejas, nove cachacinhas Entorta Tripa, seis vodkas Djugashvili, três caipiroscas e ainda bati papo com uma mocinha que quer entrar pro partido-alto da nossa escola -- ela faz poemas e canta bossa-nova e, de vez em quando, canta funk também -- fiquei de pensar e, conforme for, falar co'a macacada do partidão... estou com uma bruta coceira na orelha, no nariz tenho uma espinha do tamanho do mundo, na nuca a pele escama, as minhas costas doem, a minha cabeça dói. e a mulata continua perdida no mundo, no mundo bem abaixo do morro.
a mulata tomou banho por duas horas, chapou o cabelo, botou um vidro de água de cheiro francesa, uma calça gang, salto alto, camisetinha branca transparente, colarzinho, pulseira, anel, e - junto com a miss pin-up - foi pro baile da Deize Tigrona, sem dizer tchau... na varanda, balançando na rede, sozinho, miro a lua.
seu Machadinho sobe o morro do Macaco na sua bicicletinha todos os dias. equanto pedala, ele recita a Odisséia de Odorico Mendes com brados e salamaleques. a macacada pensa que ele é gira. mas na verdade ele está é mesmo muito abajoujado por uma mulata passista da escola de samba. será que seu Machadinho agüenta o tranco?!
a mulata passou o domingo todo balançando na rede e lendo (!!!!!). espiei de rabo de olho e descobri que ela tá lendo um livreco de um tal de Ari de não sei o que... acho que Aristofânio... o nome do livro é Lisistrata. inté parece nome óleo de soja...
mulata passou a tarde inteira balançando na rede e assoviando "Vingança" de Lupicinio Rodrigues: eu gostei tanto, tanto quando me contaram que lhe encontraram chorando e bebendo na mesa de um bar e que quando os amigos do peito por mim perguntaram um soluço cortou sua voz, não lhe deixou falar...
a mulata Mercedez subiu o morro bufando: mulé braba é dureza. se alojou na cozinha do barraco e prometeu adoçar meu café com caco de vrido se eu não tomar tenência. sinceramente, não entendo essa mulata...
Do morro do Macaco se vê o mar azul da Guanabara. O morro do Macaco é vizinho do morro do Noel; é irmão do morro Dois Irmãos, primo do morro do Imperador, avô do morro Cilibrina, pai do morro da Preguiça, que é o morro mais alto do Rio de Janeiro. Ainda tem o morro da Piroca, o morro do Aluísio, o morro do Abecedário, o morro da Ladeira Virada, o morro da Baixada, o morro do Pelé, que foi assim batizado depois de uma copa do mundo.O morro do Dedo de Deus – também conhecido como o morro do Rodrigues – é o mais ameaçador com seu formato espingolado com barracos pendurados no vazio. O morro mais antigo é o morro do Castelo, que foi totalmente derrubado para que se construísse o centro da cidade. O morro do Castelo é o ancestral de todos os morros da cidade – existindo vazio no centro da cidade como um fantasma.