do alto do Corcovado, ele tudo observa silenciosamente (29)
No momento exato em que ela me beijou a boca, eu ouvi o mais estridentes de todos os gritos já gritados neste mundo:
–– Djalma, seu preto safado! Você me paga, seu nego gaiteiro!
Ela gritou forte pra cachorro acordando toda a cambada que dormitava de papo pro ar naquele sábado de sol na praia de Ipanema. Como um enorme catiripapo, uma imensa traulitada, o grito atravessou toda a orla calando as ondas, ensurdecendo os ventos, congelando o movimento das marés, intimidando o fonfom das buzinas atrevidas de Ipanema ao Leblon.
As sirenes das ambulâncias desesperadas cortando a avenida Brasil em altíssima velocidade definharam inertes e, na mais completa apatia, desfaleceram. O ronco dos aviões da ponte-área no aeroporto Santos Dumont minguaram, minguaram e silenciaram. O grito de gol no Macaranã foi se reduzindo a um resmungo macambúzio e acabou um mero suspiro – um bocejo. Nas rodas de partido alto, samba e choro, os violões, tamborim e cavaquinhos calaram. No labirinto de vielas, becos e ladeiras as metralhadoras emudeceram e, amedrontadas, silenciaram. No mar, o ruído dos peixes e das algas silenciaram. Nos terreiros de macumba os tambores silenciaram – os santos respeitosamente em atitude de deferência esperaram. Os astronautas na órbita sobre a cidade do Rio pararam seus silenciosos movimentos e também esperaram.
O grito da mulata Mercedez cruzou a cidade do Rio de Janeiro silenciando tudo e todos –– calando João Gilberto & todo o tropel do mundo.
"Eu peço o silêncio de um minuto", em vila Isabel gritou Noel Rosa