Em ceroulas, tomando umas e outras, comecei a desenhar na parede do barraco um enorme retrato da mulata. Fiquei nisso horas e horas, dias e dias, passei noites em claro, mas no fim eu desisti – não tenho a mínima vocação para Picasso. Sentei-me na varanda, dedilhei meu violão e tentei mais uma vez compor um samba imortal. Combinei “paradoxo” com “ortodoxo”, rimei “pandeiro” com “janeiro”, “cruz” com “luz”, “chuchu” com “I love you”, tentei, enfim, pegar o touro à unha, mas não saiu bulhufas que se aproveitasse: a inspiração também picou a mula.
Sempre só, insatisfeito, cabeça baixa, fumando meu cigarro sem filtro, bebendo minha cachaça amarga, varando noites brancas, roendo unhas, miseravelmente com as barbas de molho. Sigo só, de ceroulas, desempenhando esse papel de palhaço.
A luz negra de um destino cruel
Ilumina um teatro sem cor
2 Comments:
esse samba que não saiu, o quadro da mulata que não vingou, deixou à mostra o melhor do homem. a sua versão sem limite do palhaço. falo daquele que se enxerga nas rodas e não desfaz de ninguém. falo daquele que chega tarde, cansado e ainda assim, se pedir, ele (te)toca. qualquer coisa, noite adentro. e do morro, só lá do morro, é que a gente sente, o quão perto é o tal céu. você me desarma, seu Djalma!
Que nada, meu velho! Apesar das ceroulas, do ar abobalhado, o amor faz tudo virar possível de ou desculpável. Com todas as cartas ridículas, com todos os nomes grafados no fundo dos cadernos, com todas as canções melosas entoadas, o amor desculpa tudo e ainda pede mais... Sempre sugador.
Beijos
Jana
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