morro do Macaco

quarta-feira, agosto 30, 2006

o perfume dela perdido nas coisas

O perfume dela perdido nas coisas – vestidos, camisas, saias, lenços, meias, anáguas, cachecol, blusas, luvas, discos, livros, quadros, fotográfias, músicas, cartas, letras, um fio de cabelo – de repente entra pelo meu nariz e fica fazendo zoada na minha cabeça, desce no meu sangue, sacode no meu coração, gela a minha barriga, balança as minhas pernas. E eu fico louco!

verinha ottoni...

domingo, agosto 27, 2006

Samba-canção azul anil (31)

Em ceroulas, tomando umas e outras, comecei a desenhar na parede do barraco um enorme retrato da mulata. Fiquei nisso horas e horas, dias e dias, passei noites em claro, mas no fim eu desisti – não tenho a mínima vocação para Picasso. Sentei-me na varanda, dedilhei meu violão e tentei mais uma vez compor um samba imortal. Combinei “paradoxo” com “ortodoxo”, rimei “pandeiro” com “janeiro”, “cruz” com “luz”, “chuchu” com “I love you”, tentei, enfim, pegar o touro à unha, mas não saiu bulhufas que se aproveitasse: a inspiração também picou a mula.

Sempre só, insatisfeito, cabeça baixa, fumando meu cigarro sem filtro, bebendo minha cachaça amarga, varando noites brancas, roendo unhas, miseravelmente com as barbas de molho. Sigo só, de ceroulas, desempenhando esse papel de palhaço.

luz negra...
A luz negra de um destino cruel
Ilumina um teatro sem cor

terça-feira, agosto 22, 2006

este céu é samba-canção

a cidade...
Milhões de diabinhos martelando
meu pobre coração, que agonizando,
já não podia mais de tanta dor.

segunda-feira, agosto 21, 2006

A dor é minha, em mim doeu

a cidade...
A culpa é sua o samba é meu

domingo, agosto 20, 2006

Nem todos podem dizer que conhecem uma cidade inteira.

a cidade...

domingo, agosto 13, 2006

um imenso borrão colorido (30)

À medida que gritava, a mulata foi inflando: a boca escancarada foi enchendo de ar, a cabeça foi se transformando numa imensa bexiga, bola, abóbora, melancia. O corpo foi inflando gigantesco diante de todos banhistas atônitos. Um enorme zepelim abilolado gritando desaforos, palavrões e baixarias.

De repente, ela começou a subir. E foi subindo, subindo, subindo para o céu sobremaravilhando os já espantados banhistas no Arpoador, em Ipanema, Leblon e Copacabana. No alto, a mulata foi se transformando diante de todos os olhares estarrecidos – primeiro pareceu um enorme circo colorido suspenso no ar, depois uma enorme bandeira da porta-bandeira, um vestido de cetim estampado balançando em varal, tapete mágico, cauda de pavão, pipa, borboleta, borrão colorido. Aí, ela começou esticar feito pele de gato em boca de tamborim. E foi esticando, esticando, esticando, subindo, subindo, afinando, aumentando de tamanho, ficando fininha como papel seda, voando sobre os peixes, pássaros, cães, gatos, papagaios, macacos, homens, carros, caminhões, ônibus, aviões e navios, pitangueiras, pereiras, jaqueiras, amendoeiras, jabuticabeiras, laranjeiras e limoeiros – o diabo a quatro.

O vento de cá agarrou na sua cintura de violão e a foi conduzindo com passos precisos e movimentos elegantes numa dança na ensolarada paisagem da tarde. O vento de lá não deixou por menos: fez a mulata rodopiar faceira.

Depois a mulata ficou vagando ao sabor dos vários ventos sobre a cidade e silenciosamente foi se misturando com a cidade, imperceptivelmente presente em todos os pontos da cidade. Uma gota de chuva, um raio de sol, uma onda quebrando na praia, um assovio, uma nota musical, um acorde, um sambinha arranhando um radinho de pilha fanhoso.

A mulata dá o tom!
A mulata é quem dá o tom maior.